segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

16. Dedicação à causa

Acabo de me afiliar a uma nova causa. Não a conhecia antes. Ela me mantém atualizado, atento aos desdobramentos mais ou menos relevantes. Ela me sustenta quando ninguém mais. Se ela morrer, eu perco o norte. Muita gente se encontra na mesma situação que eu. Os iniciantes me pedem conselhos. Digo o que me compete dizer, de acordo com os textos. Inevitável certo ranço de altivez escondido sob tapete de modéstia. O ranço vai sumir com o tempo, asseguram-me os meus. A modéstia vai ficar, genuína a partir de quando. O tapete vai virar carpete e o pó não vai mais poder ser varrido para baixo. OK, eu digo.
       Por enquanto, dou-me por satisfeito lendo notícias sobre os progressos recentes. Segundo os jornais, a causa anda ótima. Ontem explodiram mais duas localidades. Vinte golfinhos foram salvos, para os quais temos procurado posições no quadro docente de cursos reconhecidos pelo MEC. Uma senhora de mais de cem anos de idade faleceu depois de atribuir o meu nome a uma citação. No âmbito interno, marcamos um congresso para ano que vem. A causa será discutida a fundo, traduzida simultaneamente para cinco línguas modernas e duas mortas, repisada por especialistas recém-graduados e transmitida em código morse para a Noruega. Estou incumbido de prover os comes e bebes, tarefa não pequena considerada a abrangência quase universal da causa. Pretendo assar uma tonelada de pães de queijo e passar setenta mil litros de café, para facilitar a eloquência dos convidados e acabar com os nervos dos mais fracos.

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