sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

57. Os comunistas


O anão coberto por um manto azul caindo no buraco argumenta que é preciso sim morrer de vez em quando, algumas horas por dia, prova disso é o sono. Ao que o outro anão, caindo nu por um buraco paralelo, não responde nada, pois está dormindo.
            No fundo dos buracos há outros buracos e cavando o fundo destes o centro da Terra pulsa vermelho e amarelo. Mas ninguém consegue cavar porque as pedras são duras e quentes, não se movem um milímetro nem mesmo mediante o uso de britadeiras. Alguém já tentou dinamite, muitos ficaram feridos na explosão, boa parte da terra das paredes cedeu, pensava-se que com a escavadeira seria fácil chegar de novo ao local das pedras e que lá chegando não as encontrariam, pois estariam feitas em migalhas. Qual não foi a nossa decepção ao chegar novamente perto do centro do mundo e encontrar lá as mesmas pedras. É contra elas que os anões caindo no buraco se espatifam.
            O som que fazem ao se espatifarem nas pedras é mole, líquido, e logo começam a ferver. O manto azul cai sobre os corpos. A história acaba aqui.
            Enquanto isso, no Palácio da Justiça…
            O presidente do Tribunal de Contas alega ter comido um caqui da Dona Gislaine, a senhora que ficou rica da noite pro dia vendendo caquis. Diz ele que gostou muito. “Gostei muitíssimo,” diz ele.
            As funcionárias vestem tailleurs e andam de lá para cá com microssaias finíssimas, excitando a imaginação dos filhos de funcionários eles mesmos jovens demais para o cargo.
            Chico Buarque, por sua vez, recita alguma frase de efeito baixinho, de si para si, incessantemente, empoleirado sobre o tampo de fórmica de um balcão.
            Os nossos amigos nos irritam a ponto de cortarmos contato com todos eles. Isso se dá fora do Palácio, embora pouco importe. Trancamo-nos em casa por dias e noites a fio, alimentando-nos apenas de frango alaranjado. A casa é na verdade uma espécie de galpão, uma estrutura aparentemente monolítica, sem janelas, sem portas, o acesso limitado à entrada subterrânea que dá num túnel que dá no começo do mundo. Trinta milhões de pessoas trancadas em casa, nessa casa, que é um galpão de mais ou menos quinhentos metros quadrados situado entre duas das principais avenidas da cidade, apertadas umas contra as outras, sofrendo. Sofrendo sozinhas. Pois os amigos delas as irritam. Eles não entendem e não fazem questão de entender. E isso é ruim. Parece que não dá pra pensar de outro jeito. Impossível argumentar com essa gente.
            O amigo próximo bate à porta, acompanhado da namorada (a minha). Eles vinham enfrentando algumas dificuldades em relação ao cumprimento de seus deveres cívicos. Alguns anões cobertos por longos capuzes, a cara toda amassada na penumbra, tinham aparecido e os impedido de votar nas últimas eleições municipais. Vêm agora me informar que, tendo feito uma visita ao TRE, voltaram a ser cidadãos. Isso se deu pouco antes do misterioso desaparecimento de ambos. Foram encontrados dias mais tarde, dentro de um ônibus circular, com escoriações e outros sinais de abuso. “Foram os anões?” Eu pergunto. Silêncio.
            Vingança é tramada e colocada em prática com sucesso. Daí resulta a situação descrita no começo do texto, aquela dos dois anões caindo por buracos paralelos.
            É um fim satisfatório? Voltar ao começo? Tem sido muito usado em filmes ruins e videoclipes. Técnica barata. E se o texto simplesmente acabasse sem dar aviso? Será preciso encontrar alguma resolução para as pessoas amarguradas com seus amigos, aglomeradas no galpão, murmurando incoerências? Elas se comunicam via celular. Mas apenas umas com as outras. A rigor, ninguém ali é amigo de ninguém. Fazem solilóquios, sorriem em momentos absurdos, inventam histórias a fim de distrair e desviar qualquer ouvinte em potencial da verdadeira essência daquilo que gostariam de falar mas jamais falarão porque só contariam a um amigo… Fim. De todo modo, você vai me perdoar: escrevo assim, dentre outras razões, porque estou caindo de sono.
            Enquanto isso, na Praça Generoso Marques…
            Uma gangue de pombas brancas sai em disparada na direção do sol. 
            Alguém grita: “Paz!”
            O chefe dos anões esconde droga embaixo da camiseta. A polícia passa olha desconfiada para ele não faz nada porque coitado, deixa ele.
            Eu estou dormindo sob o ponto de ônibus, ao abrigo do sol e do céu.
            Uma bala perdida vinda da Região Metropolitana atinge e amassa ligeiramente a lataria de um Vectra preto. Tendo viajado longa distância até aqui a uma velocidade de bala, não lhe restou muito fôlego para causar estrago.
            Os seus novos vizinhos fazem o primeiro contato, a sua casa está um caos, você está com uma camiseta do Zappa, bebendo cerveja e brincando com dois gatos.
Começamos bem!

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