quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

12. Dinheiro

Saímos pra comprar cigarros, eu de calças jeans e camiseta branca, o meu amigo de camiseta preta, bermuda e sapato social. As camisas estavam em falta e eu não abria mão das calças. Mas éramos bonitos, ridículos e bonitos, porque éramos altos, hmm, por isso e por outras coisas, não importa. Não tínhamos dinheiro, é claro, nem muita idéia do que fazer pra conseguir algum, o que não impedia a gente de roubar, que é sempre uma surpresa maior pra mim quando eu roubo, quer dizer, coisas pequenas, um livro uma caneta qualquer coisa pequena assim, do que pra quem foi roubado, que raramente percebe ou só vai perceber na hora de fechar as contas. O meu amigo sofria, dava pra ver na cara, mas sofrer não é morrer, eu sei, e também sabia que eu ia morrer aquele dia ou dia seguinte. Um tarólogo tinha me contado, assim como não quer nada, eu agradeci, não acredito nessas coisas, obviamente, mas sei que elas funcionam, que as bruxas existem, agradeci efusivamente e esqueci de anotar, tudo bem. No fundo torcia pra já estar morto, mas no fundo de quê? No fundo de mim não tinha nada, e no dos bolsos um pouco de tabaco, nem seda, nem nada. Entramos despercebidos num cinema alguma hora, era um filme em preto e branco, a sala vazia. Sentei no colo do meu amigo e ficamos vendo por uma meia hora, depois fingimos que fomos pro banheiro e pegamos um pouco de pipoca e alguns doces para comer no caminho de onde que que fosse. Saciamos a fome mas não o fumo, andamos pelo centro, depois pelos bairros ao redor do centro, depois pela periferia, roubando coisas aqui, vendendo ali mais pra frente, e logo a gente já tinha o suficiente pra um maço de cigarros. Entramos num parque e assaltamos um casal de adolescentes. Eles só tinham cigarros pra dar, pegamos, já era lucro. Aí a noite começou a cair e a gente foi fazendo o caminho de volta, só que diferente, por outro lado ou sei lá, por uns becos estranhos e feios, e quanto mais feios mais me dava vontade de fazer alguma coisa com aquele dinheiro que tinha sobrado dos cigarros que a gente não precisou comprar. Olhei pro meu amigo e vi que ele estava cansado, tinha olheiras enormes e o pescoço encurvado. Pensei que quem ia morrer era ele e decidi comprar um presente pra ele antes que ele morresse. Quando a gente passou por uma panificadora eu disse pra ele esperar ali na frente e fui buscar um pão de queijo e um café pra ele. Quando voltei o meu amigo já tinha ido embora, acho que não tinha me entendido. Comi o pão de queijo, bebi o café, voltei pra casa, a casa vazia. Olhei por tudo, tinha dois cômodos mas muitos esconderijos possíveis aquela hora, por baixo dos lençóis, atrás de um quadro, na penteadeira ou no espelho, dentro do espelho, olhei lá e encontrei ele, o meu amigo, dentro do espelho, com umas olheiras maiores que a cara e a mesma expressão de morte de antes, e ele me disse que estava indo embora e ia morrer. Eu ofereci os trocados que tinham sobrado do pão de queijo pra ele e desejei boa sorte. Ofereci o espelho pro vizinho em troca de um banho, que numa casa sem espelhos a gente nunca envelhece. O banho estava bom, voltei pra casa contente, depois nem sei mais o que aconteceu, acho que dormi vendo tevê ou algo assim.

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