sábado, 17 de dezembro de 2011

13. No centro de prazer estético

Então. Essa é a nossa estrutura. Temos aqui oito salas compartimentadas em oito cubículos em que duas pessoas por cubículo trabalham na arte delas vinte e quatro horas por dia enquanto a terceira critica em tempo real. São pessoas comuns, olha elas pintando. Tem pintura, né, a maior parte. Ali mais pra frente tem gravura. Mesmo esquema, só que cinco salas. O pessoal quer mais é pintar mesmo. Metade dos críticos é terceirizada, a outra é de gente que leva jeito pra coisa. Esse quadro aqui, enorme né? Esse é do Romer. Ele pinta queijos e vinhos. É o que ele mais gosta de fazer no mundo. Não é lindo? Os críticos odeiam. Vai saber.
            No jardim quem quiser faz yoga nu. Não que seja regra, fazer nu, mas é assim que o pessoal prefere. Todo mundo é muito eclético e desinibido aqui, não tem essa de preconceito não. Essas janelas que dão pro jardim fui eu que desenhei, são meio que andorinhas. A segunda cabeça é uma reflexão sobre a arte em si e os pés representam a insegurança do vôo. Quase disse ovo, risos.
             Sim, os críticos são um problema. O negócio é que eles não gostam de arte, sabe? Eles não sentem aquele calor. Por exemplo quando eu olho para essa estátua. Ela foi feita por um alemão, não lembro o nome agora. Ele veio passar um tempo aqui e não falava muito com ninguém. Era tipo um gênio. Daí que ficou louco e se jogou pela janela do terceiro andar. A gente realocou os escultores pro térreo depois disso, a instituição toda ficou bem abalada. Essa estátua representa uma menina com tromba de elefante e foi feita em acrílico. O material era muito importante pra ele. Foi a última peça que ele produziu também. Os boatos são que ele se jogou porque os críticos não gostaram. Sugeriram que ele vendesse pra um restaurante por quilo aqui de cima. Aí foi demais, né? O cúmulo.
             Não que o restaurante por quilo não estivesse interessado. Eles são um dos nossos principais clientes. A gente produz muita araucária, muito cavalo, essas coisas boas de olhar enquanto come com a família. É pra vender mesmo. Nada de errado em ganhar seu dinheirinho, essa é a filosofia. Os trabalhos sérios a gente produz nos fins de semana, dá uma proporção de mais ou menos um sério pra dois e meio, três.
             Aqui é a última sala do passeio que a gente programou pra vocês hoje. Essa sala é uma obra em si. Tem essas luzes que piscam de acordo com o ritmo de respiração de quem entra. Elas estão piscando loucas assim agora porque entrei com vocês todos aqui, e cada um respira num ritmo diferente. Ela sente isso, ela reproduz sob a forma de luz. E o computador, aqui, se você colocar um pen drive nele, alguém tem um pen drive? Ah, que bom. Vejam só. Tem arquivos de texto aqui dentro? Dom Quixote é ótimo. Então vamos colocar ele no computador e abrir. Pronto. Estão vendo? Ele pega as letras todas e transforma em abstratos de alta definição. Dá pra dar zoom, pra ampliar. Quanto maior o texto, mais cores, maior a definição. Com esse Dom Quixote dava pra fazer uma ampliação do tamanho de um outdoor até. Que esse é o maior tamanho a que as imagens chegam. Depois disso é exagero.

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