quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

18. Apocalipse #2

O prédio em que funciona a Cactec se localiza na região metropolitana, caminho para o aeroporto, sobre uma colina, em um terreno de dois hectares de grama artificial, o prédio enorme de vidro e aço, aço e vidro e concreto, o aço resplandecente sob o sol, o vidro translúcido porém opaco, de um tom amarelado, tudo dentro claro como cristal. De dentro, olhando para fora, é só gramado até onde a vista alcança, o gramado cheio de gente, a gente toda feliz, feliz.
       Divisão de P&D de uma entidade mista (privada/estatal), desenvolvemos mormente estudos sobre cactos.
       Procuramos saber como tratá-los, como torná-los cactos melhores e mais felizes, geneticamente modificados ou não, grandes ou pequenos verdes com folhinhas e flores vermelhas nas extremidades – sobretudo mais resistentes aos primeiros meses do pós-apocalipse. O fim do mundo vem nos preocupando há algum tempo; espalhados pelo país você vai encontrar outros departamentos, outras empresas, uma indústria incipiente que começou a aflorar só agora que o mundo vai “acabar” – “Para alguns pode ser o fim, mas, para nós, é apenas, MAIS, UM, COMEÇO”.
       O logo do departamento (nosso orçamento é alto) é composto por linhas que descrevem órbitas ao redor de um CACTEC impresso em fonte discreta e elegante. Indicando o sentido da trajetória descrita por cada uma dessas linhas, uma estrela brilha na ponta que avança. A coisa é toda muito bonita, muito bem desenhada. Nada disso é coincidência: boatos de que somos financiados por alienígenas não faltam, havendo quem veja aí dedo dos americanos, dos chineses, dos russos e até mesmo dos brasileiros. Seríamos então um braço do programa espacial de algum desses países, que estaria interessado em criar uma vegetação resistente a atmosferas inóspitas a fim de facilitar o povoamento de planetas menos acabados que o nosso?
       O que posso dizer com certeza é que não falta dinheiro, e posso provar com esse maço de cem notas de cem que recebemos cada um hoje do Paulo (que é o nosso chefe) como incentivo para entregarmos até o fim do dia um novo plano. O objetivo do plano é tornar os cactos do jardim do Palácio do Governo do Estado mais vistosos até a data do grande "evento" (apocalipse).
       Estamos trabalhando no plano. Os cactos do jardim andam morrendo por falta d’água, dizem alguns. A água acabou no geral, nos dias de hoje, o que é um problema com que temos que lidar com bom humor se não quisermos nos aborrecer com o gosto da Coca-Cola ou do Mate Leão de todos os dias. A alternativa mais barata é o Gatorade; no entanto, dizem-nos os especialistas em Gatorade que o Gatorade vai matar os cactos, por causa dos eletrólitos. Cactos aparentemente não gostam de eletrólitos. O que, por sua vez, é um problema com que temos que lidar com bom humor se não quisermos importar da Holanda a tecnologia para remover os eletrólitos do Gatorade, transformando-o numa água colorida gostosinha. Isso estouraria talvez um pouco o orçamento, um pouco só. Capaz que fizessem a gente devolver as notas de cem. Então esse vai ser o plano B.
       Trabalhamos também com a hipótese de que os cactos estão com calor. Para verificar sua validade manteremos um cacto dentro de uma geladeira por alguns minutos e depois lhe perguntaremos se ele se sente bem e, caso se sinta, quão bem, exatamente? Melhor que antes? Pior?
       E os trabalhos continuam…

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