segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

20. Lima Barreto

Sentamo-nos à mesa da hamburgueria para discutir o espírito de nossa época. Oliveira foi o primeiro a falar. Levantou-se para falar. Falou. Insetos invadiram o ambiente e ele engoliu alguns. De todo modo, não conseguimos ouvi-lo por causa da tevê. Passava um filme de época ao som de canções populares aos anos cinquenta do século passado. A multidão aplaudiu. Um mendigo se comoveu e jogou as muletas ao alto. Fez-se silêncio. Então Silva levantou-se para falar. Mal começou, sua atenção divagou para uma garota seminua que passava pela calçada, do outro lado do balcão. Chovia aos cântaros e mesmo assim ele foi atrás dela. Levou-a para um motel sem saber seu nome, fez o que tinha que fazer, voltou e terminou o discurso antes de terminarmos a primeira rodada de cerveja. Ouvimos trovões que logo descobrimos tiros vindos de algum lugar dentro do bar adjacente. Chegou a minha vez. Levantei-me para falar com o discurso na ponta da língua. Acenei gravemente aos céus e me inflamei. A certa altura um homem de garganta cortada se jogou sobre nossa mesa e sangrou até morrer. Todas as atenções recaíram sobre ele. Esqueci todo o resto do discurso, não lembro bem se cheguei ou não a terminar.

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