sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

23. Chow-chow

Um chá verde chinês de excelente qualidade. A folha é enrolada parecendo uma pólvora. Um aroma suave e a cor é amarela. Servido numa xícara de porcelana com detalhes em ouro. Nada supera a sensação de se beber um bom chá cercado de gente bonita. Olhe ao redor. Gente bonita. Conversando sobre vários assuntos. Traições e previdência privada. Vários detalhes saborosos. Uma luminária trazida pela corte portuguesa. Paredes. A parede mais ao fundo, o que é que a atravessa? Que coisa é essa, arroxeada, à primeira vista cilíndrica e fofa, dividindo longitudinalmente a parede ocre em duas partes quase iguais em área? É uma almofada. Meio metro abaixo um banco de madeira também atravessa a parede. Ele é encoberto por almofadas mais consistentes. Estas no formato de paralelepípedos achatados, alongados, ovalados, espiralados, apenas não o são exatamente por conta das quinas cuidadosamente amaciadas. Para evitar decepção das pernas. Todos de traje social. Esportivo, que aproveitarão a soirée. O garçom é o único elemento estranho. Ele é chinês e anda seminu. Carrega a bandeja com uma só mão, com a outra segura uma guia. Na ponta da guia o chow-chow da casa vai lambendo o chão, baba escorrendo dos cantos da língua preta. Do cão saem fagulhas que todos fingem ignorar. Pensamos ver iluminadas passagens moles nas paredes com o estalido das fagulhas do cão. Mas depois não, não, pensando bem não era nada. Intermitente a música etc., o ranger dos dentes etc. Pratos olorosos de vagem etc. Uma funcionária estrategicamente loira posicionada no corredor que conduz à porta de saída oferece os produtos da loja. Brincos de prata. Mãos de marfim. Sorriso de marfim no meio da boca de veludo. Ela é uma boneca, literalmente. Movida à energia produzida por anões que pedalam no subterrâneo. Pois é. Dissemos anões. Disse. Estávamos ou estava enganado, pois se trata antes de ratazanas enfiadas em estruturas metálicas cujas hastes descrevem o movimento chamado planetário. Coisa complicada de entender, pior de explicar. Um guerreiro de Ogum paira no ar, entediado. Seu suporte são as meias-palavras dos circunstantes. Esse o único elemento estranho, etc.

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