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Havia outra cidade, em outro lugar. As pessoas chamavam ela pelo mesmo nome, mas era outra, decididamente. Sua voz era outra quando falava e suas ruas, apesar de similares, conduziam a outras ruas a que, apesar da semelhança, não se chegaria por meio das ruas da outra cidade. As pessoas se chamavam por outros nomes, embora se parecessem todas com as da primeira cidade, embora tivessem inclusive histórias muito pouco divergentes das histórias das outras pessoas da outra cidade, o que de resto não nos pareceria estranho se fôssemos cidades e considerássemos o fato de que, para as cidades, todas as pessoas e suas histórias se parecem. Havia a oeste das cidades similares uma terceira cidade a que se poderia ainda hoje aceder pela terceira via em rápida viagem de automóvel se o tráfego na terceira via não tivesse sido historicamente vetado graças ao egoísmo de um homem chamado Estevão. Desde o veto a terceira cidade sucumbiu à vontade de desaparecer que infla todos os seres mais ou menos inanimados, de que o resultado concreto e verificável numa passada de olho—humano, vivo—é sua transformação ou mera convolação em cidade-zumbi.
Inspiradora em certo grau, em certo sentido, a importância que algumas cidades dão à amizade. A Ponte da Amizade, por exemplo. Trata-se do fruto de uma das ações concretas que se inserem num projeto maior de integração entre dois países importantíssimos no contexto em que etc.—é o que nos dizem. Enganam-se. Trata-se antes de um tentáculo estendido entre duas cidades amigas, uma comovente vontade de abraçar. O rio quis separá-las, deram jeito de manter contato.
Sob essa luz podem ser interpretados os ominosos movimentos tectônicos que acabam por tornar as vestes de cidades inteiras farrapos com os quais não ousariam aparecer em frente de uma cidadezinha pobre porém feliz da Indochina, que dirá comparecer a uma recepção em casa da capital de qualquer um dos membros do G8. No entanto as cidades sempre recebem convites das luxuosas capitais precisamente em seus momentos mais traumáticos: no fim de um casamento de séculos de duração, em meio a uma recessão irrefreável, depois de terem acabado de perceber que o dinheiro para a maquiagem acabou e esse era também o dinheiro para a comida. Analisar a questão das cidades pródigas. Seria a solução colocá-las em instituições para os que não mais podem cuidar de si ou apenas caso de deixar que se arruínem, observando tudo com prazer? Se for o caso: que fim dar aos seus parasitas?
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Inspiradora em certo grau, em certo sentido, a importância que algumas cidades dão à amizade. A Ponte da Amizade, por exemplo. Trata-se do fruto de uma das ações concretas que se inserem num projeto maior de integração entre dois países importantíssimos no contexto em que etc.—é o que nos dizem. Enganam-se. Trata-se antes de um tentáculo estendido entre duas cidades amigas, uma comovente vontade de abraçar. O rio quis separá-las, deram jeito de manter contato.
Sob essa luz podem ser interpretados os ominosos movimentos tectônicos que acabam por tornar as vestes de cidades inteiras farrapos com os quais não ousariam aparecer em frente de uma cidadezinha pobre porém feliz da Indochina, que dirá comparecer a uma recepção em casa da capital de qualquer um dos membros do G8. No entanto as cidades sempre recebem convites das luxuosas capitais precisamente em seus momentos mais traumáticos: no fim de um casamento de séculos de duração, em meio a uma recessão irrefreável, depois de terem acabado de perceber que o dinheiro para a maquiagem acabou e esse era também o dinheiro para a comida. Analisar a questão das cidades pródigas. Seria a solução colocá-las em instituições para os que não mais podem cuidar de si ou apenas caso de deixar que se arruínem, observando tudo com prazer? Se for o caso: que fim dar aos seus parasitas?
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