terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

24. Tipos

Quase consigo lembrar que horas apareceu. Que veículos veicularam e cristalizaram a imagem. A imagem clara, lápis numa mão e papel na outra. Não, papel sobre a mesa. Vela bruxuleante sobre a mesa também, justaposta a um rosto de feições assimétricas. A cara contraída por causa dos olhos mais ou menos cegos. Quando começou a imagem? Até altas horas não pensando, alinhavando palavras, formando frases ocasionalmente, sim. Com sorte formando frases. Quando na verdade esteve é por oito meses na estrada com o primo sem abrir um livro, a latinha amassada na mão. Essa outra imagem, no outro pólo. No outro pólo de um espectro entre infinitos. Por exemplo. Possível que tenha permanecido sentado no vão de uma subida muito íngreme, espécie de gruta de onde é possível ver a cidade. Não era preguiça. Não era nada. Um caminhão atravessa o campo de visão de quando em quando, às vezes num sentido, às vezes em outro. Pode ser que seja mais de um caminhão. Ou que seja mais de um dele mesmo, de modo que o caminhão pode ser o mesmo, visto três vezes. Sem se preocupar com as horas. Sabe apenas que é inverno. Sabe apenas que é virgem. Isso apesar do calor. O que mais? Espera por alguém. É uma menina de vestido verde, se é que não era vermelho o vestido e que ele não está bem enganado.
       Há ainda outras imagens, infinitas imagens. O entusiasta, que vai às festas e não volta nunca mais. Esse se veste com camisas de manga curta. Tem barba, aparentemente. Usa calças jeans rasgadas. Quando perguntado, cala sobre qualquer assunto. Depois vai ruminar nas intenções ou dormir, depende do que comeu, sim, muito, mas sobretudo do quanto bebeu depois do jantar. Há aquele que só dorme e aquele que só espera a barba crescer, enquanto isso pesca e caça. As imagens não vão sair de uma falta absoluta de intenções. Tem que ter disciplina em querer. A não ser que a falta de intenções consista no próprio método? Fácil a cabeça explode. Há esse tipo, o da cabeça explosiva. O surfista também, sempre cercado por tubarões. Seus relatos são monossilábicos, suas manobras precisas, o instrumento-prancha meio imerso no oceano. A prancha uma tábua, assim como as meninas. Para não deixar de falar delas mencionaremos aquelas que dormem e aquelas que não dormem, umas menores que as outras, as outras mais largas que as anteriores, não respectivamente. Elas usam chinelos, é o que as une. De volta à cidade apertarão fivelas de sandálias com as quais andar por sobre poças d’água, será mais desafiador que esperto. Quando não serão tragadas pelas poças, sujarão os tornozelos e batatas das pernas com respingos. Isso é tudo e é o bastante sobre as meninas da praia.

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