terça-feira, 4 de setembro de 2012

40. Permuta #1

Quando o jogo começa e a partir de então fala o cérebro morto. Uma neurose poderia se ensaiar aqui se fosse o caso. Esta é particularmente interessante. Uma análise da situação nos conduzirá a aporias mais ou menos divertidas ou como um observador casmurro diria aborrecidas. Comecemos pelo cenário. O cenário granulado como que numa foto do fim da tarde. Mas pode ser o começo da manhã. O fundo de paredes e sofás naturalmente preto sobre branco. Em primeiro plano duas miniaturas douradas sobre a mesa de vidro. Se eu não soubesse falar outra língua poderia errar à vontade nela. Passaria os dias inteiros errando e ao fim chegaria a algum lugar diferente desse a que se chega quando se está certo até que estivesse certo e pararia de errar e então teria que aprender outra língua e depois ainda outra até aprender todas. Uma linguagem universal poderia se ensaiar aqui se fosse o caso. Nesta que eu falo há duas miniaturas sobre a mesa translúcida no meio da sala. Tudo em silêncio. Em não podendo falar nada as miniaturas ficam quietas. O material de que são feitas é incapaz de comunicar por sons. Os sons que emitem quando tocam a superfície depois de terem sido levantadas e arremessadas contra outra superfície é incapaz de emitir seus próprios sons, portanto ficam quietos. A única linguagem universal que os materiais conhecem é o silêncio. O dourado das miniaturas significa silenciosamente alguma coisa ou então outra. Depende do humor do observador. Quando não há observador as miniaturas significam todas as coisas e quando o observador está sentado no sofá olhando para outra coisa além do nosso campo de visão não significam nada senão para nós, se as vemos, quando as vemos. O observador quando observado pelas miniaturas está louco ou imagina coisas demais. Se as miniaturas falassem numa língua que ele não conhece estariam errando pois em verdade não são capazes de falar, a não ser quando o observador escuta. E o observador não indica escutar nem não escutar. Se o tempo se movesse para frente ou para trás neste cenário específico seria possível dizer se se trata de uma manhã ou de uma tarde se a janela que ilumina tudo e está fora do campo de visão estivesse dentro do campo de visão e passasse a inundar o aposento com uma luz mais forte ou obscurecesse tudo drenando a luz do aposento se fosse o caso. Porém a luz não aumenta nem diminui, o observador não se move, as miniaturas não falam e a janela não está dentro do nosso campo de visão. Em verdade as miniaturas quereriam representar o próprio observador e se não o fazem é apenas porque lhes negamos a faculdade de querer. No entanto querem silenciosamente e numa análise detida constatamos que têm maneiras sutis de comunicá-lo. A linguagem das miniaturas parece ser a linguagem universal na medida em que estão quietas e paradas e, de algum modo, existem. O observador deve existir embora não tão parado quanto as miniaturas. Admitindo a relatividade do tempo será difícil constatar com certeza se as coisas que se movem existem de fato ou se estão apenas paradas e são outras coisas numa sucessão de pontos espaciais aleatórios. Este é o relatório da situação tal como a vemos objetivamente e sem mais tempo para continuar o jogo.

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