sábado, 5 de janeiro de 2013

50. O humano

O humano compõe belíssimas canções de protesto e vai dormir sobre uma colcha de palha. Quando o dia acaba, está roçando o braço contra uma viga metálica ligada pelas extremidades a uma estrutura de madeira maciça do tamanho de um prédio de cinco andares. Entra nela pela porta principal. É escuro lá dentro, as sombras desaparecem no breu. O humano está assustado. Corta para uma boca escancarada que grita. Pouco a pouco a voz se modula numa gargalhada e logo depois numa espécie de murmúrio esgarçado cujo conteúdo humano nos escapa. O humano julga ter conhecido por um segundo o significado de Deus, encontrado a palavra secreta, alguma espécie de atalho para a satisfação eterna, mas logo esquece, refrigerante na mão e boné da Votorantin para proteger do sol a pique. Já pensou em se casar, mas passou. Agora pensa em animais e montanhas. Não em nada específico sobre eles. A maior parte do tempo, entretanto, não sabe em que pensa. Entretanto é seu modo de vida. Enche açudes, dança, sangue corre nas veias e finalmente pelo chão. O humano cai pela primeira vez na segunda ou terceira estação, carregando a pesada cruz de madeira, é o que nos dizem as escrituras. Tendo saído de casa descansado pela manhã, volta para uma casa diferente à noite, um apartamento com as paredes forradas por estampas de crustáceos e moluscos. Permanece acordado pela eternidade, depois nasce um boi. Quando o humano diz alguma coisa, é melhor ouvir, pois isso significa alguma coisa para ele. Vive em bando, raros são os humanos totalmente solitários. Estes se reúnem em grupos de assistência para humanos solitários, o que acaba com o charme da coisa. Seja como for, e para o descrédito das instituições e dos entes inumanos, fato é que o humano sempre vence, independentemente dos resultados atingidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário