quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

52. Uma lição de vida

Marcelo, um especialista, é contratado por uma empresa que usa gordura como matéria prima de todos os seus produtos para redigir manuais relativos a situações básicas do cotidiano. Parece que os funcionários não sabiam muito bem como lavar as mãos, por exemplo, o que acabava causando alguns problemas de higiene, porque como é que iam encostar o dedo na tela do monitor sem deixar ele todo emporcalhado. Então ele vai e escreve um manual sobre como lavar as mãos, como usar monitores abstendo-se de encostar o dedo neles, como bater o ponto digital no novo aparelho biométrico com variação de no máximo dois minutos para cima ou para baixo, como se comportar em festas etc.
       Os manuais de Marcelo começam a fazer sucesso.
       Corre o boato de que Marcelo é basicamente um cara bacana, que sabe fazer as coisas e faz elas direito. O boato chega aos ouvidos da cúpula. Uma mesa de onze pessoas, entre sócios, administradores e delegados, todos mascando sanduíches de banha de porco, decide desenvolver um projeto especial tendo Marcelo como encarregado principal.
       Marcelo desenvolve o projeto e ele é aprovado pela cúpula. O objetivo desse projeto é fazer com que todos façam tudo direito. E ele funciona. Não obstante, uma vez que todos estão fazendo tudo direito, Marcelo se torna obsoleto.
       No entretempo cultivou relações com gente influente dentro da empresa, e isso lhe vale para não ser demitido por ora. Ele começa a comer compulsivamente, aparece bêbado depois de intervalos para o café, passa a mão cheia de gordura na secretária do chefe. Engorda trinta quilos em um ano. Passa a atrapalhar os colegas deliberadamente com canetas laser enquanto eles elaboram fórmulas para otimizar a produção de shampoos e sabonetes feitos de gordura animal e químicos nocivos à saúde humana. Só está ali matando tempo.
       Em todo canto vê os seus manuais afixados—nunca apoiar o cotovelo na mesa de trabalho, procurar sorrir ao encontrar pessoas de hierarquia superior, comer pelo menos três porções de frutas ao longo do dia. Ele odeia aquilo, agora que não consegue fazer nada direito. Finalmente pede demissão. Engorda mais trinta quilos e abre a sua própria empresa, tendo como objetivo a produção de produtos à base de gordura e a sua colocação no mesmíssimo nicho de mercado visado pela outra, o de pessoas muito pobres que não conhecem nenhum produto melhor e mesmo que conhecessem não comprariam porque é muito caro.
       Ele começa fazendo tudo errado, mas à medida que a empresa prospera passa a corrigir o próprio comportamento, perder peso, ver as coisas com outros olhos, até que chega o dia em que está falando em diversificação e pesquisa e desenvolvimento e todas essas coisas boas sem nenhum sorriso condescendente, levando os diretores de empresas concorrentes a sério em vez de simplesmente mijar nos retratos deles que mandou estampar no fundo do mictório da sua suíte. E perde peso, e se casa com uma menina vinte anos mais nova. Parece que as coisas vão indo bem.
       Um dia, andando entre os seus empregados da linha de produção, ouve um boato. Sobre um cara que é basicamente uma boa pessoa e faz as coisas direito. Esse cara anda organizando festas após o expediente, pagando bebidas para todo mundo, e quando sai da empresa é a pessoa mais engraçada do mundo, e quando volta o empregado mais produtivo. Marcelo traz o assunto à pauta na próxima reunião de cúpula. Fica acertado que darão a esse funcionário exemplar uma chance de crescer na empresa. Todos os sócios parecem estar precisados de sangue novo.
       Enquanto isso a empresa de Marcelo se tornou referência nacional em óleo para motor e iogurte grego. Ele incorpora empresas iniciantes com o apetite insaciável de um gigante engolindo criancinhas. O seu carro é agora um Mitsubishi vermelho. Ele tem três amantes e mais uma esposa, secreta, na China. Fora as secretárias.
       Certo dia fica sabendo que uma estagiária sua foi estuprada e morta, possivelmente por algum dos seus sócios. Ossos do ofício.
       Chama o bom funcionário para uma reunião particular em seu escritório, no andar mais alto do prédio mais alto da cidade. O bom funcionário fica impressionado ao entrar: o escritório de Marcelo tem setecentos metros quadrados, cheira a charutos finos, toda a mobília é de madeira maciça, os quadros são as os originais de reproduções famosas. Eles conversam. O funcionário mantém uma postura respeitosa de reserva ao longo de toda a entrevista.
       A empresa de que tratamos, a essa altura, detém o monopólio do mercado de rações para animais domésticos e tintas para madeira. Não há um carro no país que não preste tributo à conta bancária de Marcelo. Poucas são as mulheres que pensam nele quando não é absolutamente necessário, mas ainda mais raras são aquelas cujos cabelos e rostos maquiados não são regularmente tocados pelos seus produtos. Isso ele expõe ao jovem e promissor bom funcionário do modo mais humilde possível.
       Eles conversam, jantam, o funcionário evitando falar muito, Marcelo se expandindo cada vez mais com o calor do vinho e a enxurrada de recordações das décadas passadas. E ao fim da noite, com um breve comentário à porta de saída, Marcelo o coloca direto no olho da rua, sem justa causa nem nada.
       Que isso lhe sirva de lição!

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