sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

53. Eu, investigador particular

Contratado para investigar um casal da alta sociedade por razões que desconheço, alugo uma fantasia de gorila e me infiltro numa festa. O cenário é o terraço de um apartamento não sei se em São Paulo, Bankok ou Nova York; através dos olhos vítreos da máscara perfeitamente conformada às minhas feições tenho a vista de um rio muito largo, e se virar a cabeça rápido demais sou capaz de cair antes de ver um vulto se dirigindo à porta do elevador. Chego a tempo e encaro a estranha figura de um extraterrestre, que acompanho até o sétimo andar para depois descer no quinto e escalar dois pisos de dois em dois degraus. Deparo com as portas de emergência trancadas. Frustrado comigo mesmo, volto ao terraço. Lá avisto pela primeira vez o casal que devo investigar. Acompanho-os discretamente por duas horas, grunhindo casualmente para os convidados que vêm puxar conversa, o que parece causar certa sensação, pois não demoro a me encontrar empoleirado numa cadeira agora aos urros de gorila; depois perco o foco de vez e sou confortavelmente carregado festa afora sobre os ombros de dois personagens vestidos de segurança e que podem muito bem sê-lo. Eles me depositam dentro do elevador; este começa a descer; e uma sobriedade nefasta desaba sobre mim quando me percebo parado no sétimo andar. As portas estão fechadas, ainda há tempo; faço soar o alarme, o que causa um travamento geral do sistema elétrico; as luzes se apagam; pronto. Do outro lado da porta me alcançam vozes inumanas, gorgolejos que me trazem à lembrança imagens de vidas que não lembro ter vivido; cheio de terror, percebo que dedos finíssimos se meteram pelas frestas adentro, tentam agora abrir a porta à força. “Entregue-nos a câmera,” alguém grita, “senão.” A nossa conversa, que começa tão pouco promissora, acaba no seguinte arranjo: descerei até o terceiro andar, depositarei a câmera no corredor vazio, retornarei ao sétimo à espera de que alguém confirme o recebimento, e depois estarei livre para ganhar o térreo e me mandar daqui ileso. Dito e feito, saio do prédio ofegante, suado dentro da fantasia, e entro num Burger King a duas quadras de distância, onde, sentindo-me observado na fila do caixa, venho a perceber que não saberia dizer com alguma certeza se o que me acontecera essa noite havia sido extraordinário ou só a soma de mais um dia de trabalho.

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