quarta-feira, 9 de novembro de 2011

5. Na zona do viaduto

Década passada, durante o grosso da crise econômica mundial, dois pikus passeavam por entre os escombros dos mercados de valores espalhados pela Zona Financeira. Era um cenário escuro e medonho; fumaça saía de máquinas de gelo seco supervalorizadas; os robôs tentavam limpar a bagunça mas acabavam fazendo mais sujeira, porque eram chineses.
       Os jovens pikus tinham saído de casa durante o sono, como frequentemente acontece aos jovens pikus, e acabaram se perdendo!
       “E agora, o que fazer?” Perguntou o piku gorducho.
       “Piku!” Disse o mais magrelo—o que, em linguagem de piku, quer dizer: “Sei lá.”
       E lá se iam dois meses que perambulavam sem rumo nem nada para comer além de cenouras em conserva. Dinheiro eles tinham aos montes, pois sempre o carregavam dentro das meias; mas não havia mais comércio, e as pedras comestíveis que havia simplesmente não valiam o preço então praticado.
       Um dia, pouco antes dos preparativos para o natal começarem a ser mecanicamente pensados pelos marqueteiros ambulantes, um velho mendigo disse para eles: “Continuem reto e dobrem à esquerda no sétimo fogo vermelho.” Depois o velho morreu. Meses mais tarde, folheando uma revista, descobririam que o velho mendigo era na verdade um Rothschild.
       Eles seguiram o caminho indicado. Lá na esquina um pouco além do sétimo fogo vermelho um viaduto muito simpático brotou do chão e se apresentou aos pikus, conduzindo-os, ato contínuo, a um piso de excelência empresarial sobre cujo pavimento os grandes homens de negócios poderiam vir a erigir impérios a crédito, caso não fossem antes capturados pela mão invisível do Mercado.
       Infelizmente, grande parte deles acabou sendo capturada mesmo, e os pikus só escaparam porque conseguiram se esconder num buraco no meio do viaduto, que a essa altura já era bem amigo deles.
       “Vocês podem ficar aí mesmo até as coisas voltarem ao normal,” disse o viaduto. Os pikus agradeceram muito e dormiram por três dias. Quando acordaram, perguntaram pro viaduto sobre a vida dele.
       “Eu sou filho do casamento de um plano malogrado de desvio de verbas com a vontade de reaproveitar as obras públicas em construção que se encontravam paradas durante o exercício financeiro de 1973. O meu pai me abandonou quando eu era muito pequeno. A minha mãe me criou praticamente sozinha até eu completar um ano, quando resolvi que era hora de sair de casa e cumprir a minha função como um viaduto feito. Desde então eu estou aqui. Virei um lugar bacana, todo mundo gostava de ficar em cima de mim, vinham e construíam prédios magníficos, até que a Bolha estourou e deu nisso que vocês estão vendo.”
       Os pikus ficaram tristes com a história. Resolveram que iam ajudar o viaduto. Assim, quando a crise começava a dar sinais de que ia passar e a Bolha ainda não se reconstituíra com a ajuda dos governos dos grandes estados, compraram terrenos sobre o viaduto e construíram fábricas de sorvete ao longo de toda a margem esquerda. A margem direita foi ocupada pelo Diabo, com quem firmaram uma parceria duradoura—eles fabricavam, ele se encarregava da distribuição e da venda, possuidor que era de uma cadeia mundial de restaurantes vegetarianos, mas não veganos. Juntos, os pikus, o viaduto e o Diabo tiveram grande estabilidade financeira, abalada apenas recentemente pela descoberta de fraudes que o contador negou até a polícia chegar, depois do que fugiu para o Havaí e foi feliz para sempre.

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